Capítulo 1 - Novos Horizontes
Israel, outubro de 2021
Keren estava pronta. Respirou fundo e
entrou no avião. A comissária estava esperando que ela entrasse. Deu as devidas
e educadas boas vindas e a acomodou em sua poltrona.
"Deseja beber alguma
coisa?"
"Uma água sem gás, por
favor." Pediu Keren. A comissária se retirou com um sorriso e Keren se
acomodou. Respirou fundo, seria uma longa viagem.
No início, sair do país não era
exatamente uma idéia. Ela queria apenas sair de casa. Mas então surgiu a oportunidade
num novo colégio, e nem soube exatamente como isso acontecera; de repente, tudo
estava acertado. Iria para a
New Order High School of San Francisco, California.
Sentiria saudades dos pais. Tudo bem.
Ela queria sair justamente por causa deles, porque queria respirar. Sua família
é judia ortodoxa, ou melhor, mais que isso, eram Judeus Haredi, ou
ultraortodoxos, como chamavam por aí, e ela queria um pouco de paz. De certa
forma, havia algo mais. Seu pai era um homem muito rígido, e sempre que ela o
olhava, parecia emanar dele um poder e uma autoridade sobre ela que lhe dava
calafrios. Ela sentia mais que respeito por ele: sentia medo.
A primeira coisa que fez foi quebrar
com algumas tradições. Viajar sozinha já era o primeiro passo, mas ainda não entendia
como seus pais compreenderam sua necessidade de liberdade. Obviamente foi
bastante difícil no início, mas ela nunca achou que eles fossem concordar,
principalmente seu pai. Acreditava que em algum momento teria que fugir. Mas,
depois de um mês, eles não só aceitaram como encontraram um lugar para ela
ficar, um apartamento charmoso em San Francisco, e pagaram sua viagem em
primeira classe, além de abrirem uma conta internacional para depositarem uma
generosa mesada. Coisa que não fazia nenhum sentido.
Keren tinha pressa. Comprou roupas novas,
cortou o cabelo, arrumou-se e lá estava
ela. Sentada numa maravilhosa e confortável poltrona de primeira classe.
"Sua água, senhorita."
A comissária havia voltado e falara
duas vezes com ela antes que ela recebesse a água.
"Obrigada."
Keren estava distraída. A nova vida a
aguardava, e mal sabia o que iria fazer assim que se visse totalmente livre.
Pensaria por si mesma, agiria por si mesma... mas, o que exatamente pensar ou
fazer? Sempre teve suas opiniões regradas e teve que obedecer as decisões da
família. Fora criada dessa forma, por isso mesmo a liberdade era tão sonhada e
ao mesmo tempo tão temida.
"Tem medo de avião?"
A voz a acordou dos seus pensamentos.
Voltou-se para a poltrona próxima à sua. Um belo rapaz, cabelos escuros, pele
clara e olhos
profundamente negros que a perscrutavam. Ele parecia ser alto, e era muito
bonito, e sua barba estava bem aparada.
Como ela não respondeu, ele resolveu
se adiantar.
"O avião já decolou há quinze
minutos e você não para de segurar fortemente o braço da poltrona e esta
garrafinha. Dá para ver os nós dos seus dedos", ele disse em tom
divertido.
Keren sorriu e aliviou as mãos, nem
tinha percebido esse detalhe.
"Desculpe, eu não me apresentei.
Me chamo Mohammed."
Keren quase soltou uma gargalhada.
Estava profundamenta acanhada, mas morrendo de vontade de flertar um árabe. Ele
estava bem vestido, como um executivo, mas sem terno. Era jovem demais para ser
um grande empresário? Teria uns 25? 26 anos? Ela, em seus 16 já estava quase
sem fôlego, e tossiu para respondê-lo.
"Me chamo Keren."
"Keren, um belo nome para uma
bela moça. Encantado em conhecê-la. Então, é a primeira vez em um avião?"
Ele não parecia um muçulmano, mas não
poderia julgar pelas aparências. Ele tinha um nome muçulmano, um nome que o
identificava como "filho de Maomé". Mas não podia afirmar, o nome já
havia se popularizado. E, no mundo moderno, acreditar que um muçulmano teria
que vestir túnica e turbante era demais.
"Si... sim. Sim. É a primeira
vez. Deu pra perceber?"
Ele riu de seu sorriso amarelo.
"Quase nada."
Os dois sorriram.
"E o que uma garota tão jovem e
tão bonita está fazendo viajando sozinha para um lugar tão longe?"
Era verdade. Iriam atravessar o
continente, o oceano, para chegar a praticamente o outro lado do mundo. Nunca
havia saído de Israel, e agora faria uma longa viagem, cheia de escalas e conexões.
Queria muito conversar com ele, mas dizer a verdade seria dizer a ele que ela
era mais jovem do que ele poderia imaginar.
"Estou indo para um novo
colégio..."
"Mudança bem radical, não?"
Ele sorriu, não parecia surpreso com sua revelação de que ela estava em idade
escolar.
"Pois é..."
"E para onde está indo?"
"Para Califórnia."
Mohammed soltou um assobio.
"Longe. Eu estou indo para Washington a negócios. Bastante longe não
é?" Ele continuou sorrindo, como para uma garotinha. Bem, Keren era uma
garotinha.
A conversa foi interessante e
agradável, até que o telefone dele tocou e ele começou a falar em árabe. Ela,
por viver há tanto tempo em Israel, entendia umas palavras soltas, e se deu
conta que se tratava de uma conversa de negócios.
Relaxou em sua poltrona e, por mais
incrível que pudesse parecer, estava dormindo rapidamente.
E teve um sonho.
Um sonho estranho, mas de certa forma
familiar, de uma cidade linda, limpa e muito organizada. Uma cidade onde as
ruas e os jardins eram belos e as construções reluziam, e quase ofuscavam sua
visão. Uma luz que parecia refletir a luz do sol. Parecia que já tinha estado
neste sonho antes.
Acordou com um tremor. E percebeu
que, embora o sol parecesse não ter se movido no horizonte, já havia se passado
horas.
"Use isto." disse a
comissária, passando para ela um tipo de viseira, com pequeninas lâmpadas, no
momento apagadas. Independente da posição do sol, ela simularia o dia e a noite
para o cérebro, para que se acostumasse com o fuso horário do local de
desembarque. "Vai minimizar os efeitos do jet lag."
"Obrigada."
Keren olhou para o assento onde
Mohammed, já usando sua própria viseira, dormia suavemente. Ele era muito belo.
Subitamente sentiu sono e voltou a
dormir. E voltou a sonhar com a estranha cidade reluzente.
***
Keren estava exausta. Passara por muitos contratempos,
quase sua bagagem fora extraviada em Portugal, quase perdera o vôo em Miami por
dormir no saguão, quase não conseguira se despedir de Mohammed antes de
embarcar, enfim.
"Garota, espero revê-la, algum
dia", dissera ele para ela. Trocaram telefones, emails, mas se realmente
algum dia ele ligaria, bem, isso era muito diferente. Já era difícil
reencontrar na mesma cidade alguém que não se vê há algum tempo, imagine em
cidades diferentes, com praticamente todo o país no meio!
Mohammed pegou outro avião para
Washington, enquanto ela seguiu para San Francisco. Estava cansada e não via a
hora de chegar. Chegar num lugar totalmente desconhecido para ela, viver
sozinha. Tinha lá seu lado bom, não dar satisfações, usar a roupa que quiser,
comer o que quiser, sair para onde quiser, enfim, viver. Mas sozinha ela não
conseguiria tal liberdade. Que ironia do destino. Ela sempre iria precisar de
outras pessoas? Quanta insegurança!
O primeiro dia de aula foi estranho,
como todos os primeiros dias de aula para os novatos. É sempre assim. Todos
ficam olhando, observando... Keren já estava chateando-se por causa de sua
timidez.
"Oi, meu nome é Maureen"
disse uma linda garota se aproximando dela. "E o seu?"
"Keren."
"Keren... você tem um sotaque
diferente, de onde você vem?"
"Ahn... de Israel..." Keren
ficou um pouco receosa, com medo de algum preconceito... não sabia se essa
garota era como nos filmes americanos, em que sempre tem uma garota que faz da
outra seu patinho feio para se sentir melhor. Sempre achou tudo isso uma grande
baboseira, mas agora que estava diante de garota tão bonita, ficou com medo do
complexo da "garota impopular".
"Legal." Foi só o que
Maureen disse antes de se sentar ao lado dela. "Aqui é uma escola legal.
Você vai gostar. É relativamente nova, tem uns 20 anos, e eu estou aqui desde o
ano passado. Então, tecnicamente somos novatas. Você vai se sentir em
casa."
Keren ficou fascinada com o
desprendimento de Maureen. Finalmente um colégio normal, onde ela pudesse se
sentir bem. O dia correu tranquilamente, e agora Keren tinha uma nova amiga.
Ela era legal, e ela esperava se enturmar.
A semana passou rápida, e logo veio a
segunda. Recebeu um email de Mohammed, bastante formal, e se perguntou se ele
fez isso somente por educação.
Seus pais enviaram um dinheiro;
ligaram perguntando sobre as instalações e não fizeram comentário nenhum, o que
ela achou muito estranho. Nem fizeram perguntas. Mas isso é tudo o que uma
adolescente quer. Pelo menos no início.
No fim da segunda semana, uma
sexta-feira, Keren recebeu um convite interessante.
"Uma festa?"
"Sim! Ah, por favor, vamos? Vai
ser legal. Um amigo nosso está fazendo vinte anos e resolveu dar uma festa na
casa dele. Vai ser show!"
"Hum... ok, eu vou."
Seus pais não precisavam saber que
passaria a noite inteira numa festa, cheia de adolescentes e jovens, garotos
legais, muita bebida... Não era para experimentar essas coisas que ela se
afastou de casa?
Maureen parecia dar saltinhos de
felicidade. E ela estava imediatamente empolgada com a festa.
Uma festa legal, mas meio estranha.
Tinha muita gente, mas não se via decoração nem nada. Não sabia quem era o
aniversariante, ele aparentemente não estava lá. Maureen sequer a apresentou a
ele. Simplesmente chegaram e foram entrando.
Bem, foram entrando é modo de dizer.
Havia um homem de quase dois metros de altura na entrada do jardim; um
segurança que observava todos que se aproximavam. Keren e Maureen disseram seus
nomes a ele, e ele permitiu a passagem. Parecia não precisar olhar numa lista
de nomes, mas Keren não duvidava que, se alguém não tivesse sido convidado, ele
saberia. E teve calafrios ao imaginar o que um homem daqueles faria caso um
penetra resolvesse arriscar passar por ele.
Seus pensamentos foram imediatamente
absorvidos pelo lindo jardim que se seguia. Um lado do jardim tinha um
labirinto de flores, construído aparentemente para ser o que era: um labirinto.
Perguntou-se se era uma brincadeira ou uma ameaça.
Entraram na casa. A música era boa, e
foram dançar. Keren não fora apresentada a ninguém; apenas dançara com Maureen.
Nem sinal do tal aniversariante.
Um cheiro de incenso invadia o ar, e
Keren se sentiu um pouco tonta. Muita gente estava na casa. Keren procurou um
lugar pra respirar melhor e viu um cara em cima da mesa, dançando loucamente,
sem camisa, cheio de tatuagens pelo corpo. Ele não era musculoso, mas não era
magro demais, era compacto. Seu corpo era bonito, sua pele branca, e seus
cabelos eram muito pretos. Notou que ele usava lápis de olho (seus olhos
estavam muito maquiados) e suas unhas eram pintadas de preto.
Continuou sua caminhada pela casa em
busca de uma janela, quando um grande relógio na sala deu doze badaladas. Keren
achou aquilo super estranho, nem imaginava que no ano de 2021 pudesse haver um
relógio como aquele. Parecia uma relíquia caríssima. Para falar a verdade, só
vira relógios iguais a ele em imagens do Google.
O fato é que, enquanto o relógio dava
as doze badaladas lentamente, indicando que era meia-noite, um silêncio
sepulcral se seguiu ao lugar, e todos, devagar, reuniram-se na sala, diante das
escadas que levavam ao primeiro andar. Keren se uniu aos outros, sem saber o
que estava acontecendo. Maureen chegou junto dela e parecia um pouco chapada.
Mas todos, mesmo os que estavam neste estado, estavam quietos, em silêncio, e
aguardavam alguma coisa acontecer.
Foi quando elas desceram.
Vestindo capas pretas, com capuzes
cobrindo suas cabeças, lentamente treze mulheres desceram as escadas de forma
rítmica, diante do silêncio. Elas carregavam incenso e espalhavam sua fumaça
por todo o lugar. Todos abriram espaço, e no centro, onde havia um grande
tapete, elas se concentraram num círculo. E cantavam. Uma cantoria estranha,
numa língua perdida.
Keren não sabia o que estava
acontecendo. Até que uma das mulheres, a primeira que aparecera e que parecia
ser a líder, retirou o capuz.
Ela era linda. Branca, muito branca.
Seus olhos eram de um azul límpido e claro, mas seus cabelos eram negros como
petróleo. Esguia e alta, ela tinha um olhar sério, embora seus movimentos parecessem
tentar seduzir todos ali. Olhou em volta e viu homens e mulheres babando por
ela. Até mesmo Keren estava excitada. “Deve ter drogas neste incenso”, pensou
ela.
Sua voz era doce e musical,
hipnotizante. Então, ela falou.
"Vida longa ao mestre."
E todos repetiram.
"Vida longa ao mestre."
Bateram palmas num aplauso contido, e
em seguida olharam para as escadas.
Foi quando o aniversariante começou a
descê-las.
O silêncio era palpável. As mulheres
pararam de cantar, mas mantinham seus rostos cobertos, com exceção da bela
"mestre de cerimônias". O rapaz que descia as escadas devagar saiu
das sombras.
Keren tomou um choque.
"Uau, ele é quente" Keren
sussurrou para Maureen, que fez sinal para que ela permanecesse em silêncio.
O tal rapaz que estava completando
vinte anos tinha olhos
azuis, límpidos como os da mulher que o anunciara, mas num tom mais inocente,
quase infantil. A pele era branca, sem nenhuma mancha, e seus cabelos eram
dourados, tão claros e finos que pareciam brancos. Era alto e magro, não de uma
maneira que parecesse fraco, mas compacto. Descia as escadas com altivez, como
um rei.
Talvez ele fosse algo assim, pois
todos disseram juntos "vida longa ao mestre", e quando ele chegou a
três degraus do chão e parou, todos se curvaram diante dele. Keren continuou de
pé.
"O que está fazendo?"
Maureen tentou puxá-la do chão. "Curve-se!"
Keren chamou a atenção do rapaz, que
veio em direção a ela. Todos os presentes olharam para Keren, e se admiraram
com ela estar ainda de pé. A mulher branca olhou para ela, reprovando-a.
"Desculpe, mas não vou me
curvar." Keren disse baixinho, quase sem voz. Sentiu o rosto corar.
"Não precisa se desculpar"
disse o rapaz. "Você é novata?"
Maureen ficou de pé ao seu lado.
"Ela veio a meu convite. Achei
que seria bom trazê-la para conhecê-lo."
Maureen estava radiante por poder
falar com ele. E ainda mais por estar tão perto. Podia tocá-lo, se quisesse.
Mas, embora o desejasse, não se atreveu.
Ele não deu atenção a ela, e pareceu
nem mesmo ouvi-la. Seus olhos estavam focados em Keren. Ele parecia
perscrutá-la, mas Keren teve a sensação de que ele a reconhecia.
"Desculpe-nos. Não queríamos
assustá-la. É apenas uma reunião entre amigos, para comemorarem meu aniversário
esta noite. Permita-me." Ele tomou uma das mãos de Keren e beijou-a. Ela
sentiu um calafrio. Olhou para os olhos azuis dele, e os achou suaves e doces.
"Meu nome é Junius. Junius de Margeau. E estes são meus amigos."
"Meu nome é Keren."
"Seja bem-vinda, Keren."
E então, como num passe de mágica,
tudo voltou à atmosfera anterior. A música voltou a tocar, as pessoas voltaram
a dançar. As mulheres de preto se retiraram suavemente, deixando atrás de si o
cheiro de incenso, desta vez mais forte. Maureen saiu para dançar com outro
garoto. Mas tudo isso Keren só percebeu por sua visão periférica. Seus olhos
estavam nos olhos de Junius.
Os dois estavam parados, um olhando
para o outro, no meio da sala, enquanto a festa rolava à volta deles. Ela só
via borrões, com sua visão focada nele. Ninguém mais parecia notá-los ou se
importar.
"Venha" ele disse, e ela o
seguiu para fora da mansão. E nem percebeu que passava por cima de corpos
frenéticos, numa dança louca e epilética de orgias sexuais.
***
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Se o 1 capítulo é incrível assim, imagina o segundo ^_^
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